Como profissional do texto, eu quebro o galho. Quero dizer, sou obrigado a escrever textos técnicos, diariamente e numa quantidade absurda (sexta-feira foram 19, sem contar e-mails com solicitações para assessorias de imprensa e o malogrado retorno, a desgraça do jornalismo da empresa onde trabalho).
Tenho plena consciência de que meu texto é bom para o que faço, mas isso realmente não significa muita coisa. Não há quase mérito nenhum em saber escrever um bom texto para jornal, porque isso é pura técnica e qualquer um que seja um pouquinho esperto pode aprender em pouco tempo. O difícil no jornalismo é apurar a informações, encontrar as pessoas certas para falar, saber onde colocar cada idéia. Escrever é a célula do trabalho, e a escrita sua ferramenta básica.
Mesmo assim, dá pra ficar feliz porque tem muito retardado por aí que não sabe alinhar sujeito e predicado e quer ser jornalista. Pobres infelizes. Você pode ter as melhores fontes, os melhores contatos e as melhores pautas, mas sem saber escrever não é ninguém no jornalismo - impresso, é bom que se diga.
Bem, retornemos ao ponto central do post. Dia desses, li a coluna do Ávaro Pereira Júnior sobre o OK Computer, do Radiohead, onde ele dizia que o disco é uma rara obra de "intelectualismo popular" (não sei se foi esse o exato termo que ele usou). Ele queria dizer que o álbum é riquíssimo em idéias, e refinado, mas conseguiu ser entendido pelas "massas" (esse conceito é bem relativo, mas não vou prolongar a discussão sobre ele). Por ora, direi apenas que concordo com ele, apesar de ter algumas restrições à idéia toda. No artigo, ele dizia que o maior desafio para jovens artistas é fazer uma obra como OK Computer, que conquiste pela inteligência e não pela obviedade.
Pois bem. Esses dias aí eu li "O Perfume", best-seller de 1987 do escritor alemão Patrick Süskind e que acaba de virar filme pelas mãos de seu patrício Tom Tykwer (Corra Lola Corra). Fiquei realmente impressionado com o texto, principalmente nas partes em que o autor descreve... odores. É realmente impressionante. Nunca fui bom em cheiros, e desconheço qualquer perfume que não seja meu desodorante, mas consegui sentir exatamente os cheiros que ele descrevia.
Juntando, tudo isso: a prisão à técnica do jornalismo, o intelectualismo popular de OK Computer e o texto sensitivo d'O Perfume, propus um desafio a mim mesmo: descrever cores. Como seria possível, por exemplo, explicar para um cego de nascença o que é o amarelo? Verde? Azul? Cinza? Usar a palavra não vai adiantar nada. Ao mesmo tempo, o nome de cada cor parece ser o único elemento que temos para explicá-las.
As cores são o maior exemplo de laconismo em toda o léxico humano. Não existem sinônimos, nem nada que possa descrevê-las melhor que seu próprio nome. Por isso, ao tentar descobrir um desafio para o desprendimento do meu texto, acabei, sem querer, descobrindo uma bela analogia para o impossível.
Talvez descrever cores me ajude a entender porque o mundo está tão monocromático.
5 de fevereiro de 2007
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