8 de maio de 2011

Banalizaram a desculpa

Vivo pensando a respeito do verdadeiro início das coisas. Por exemplo: quem foi a primeira pessoa que viu um pé de café, olhou para aquela frutinha e disse: "hum, já sei, vou colher, deixar secar, torrar, triturar, fazer uma infusão com o pó e beber!"

É claro que muitos processos que conhecemos hoje são fruto de anos de evolução e de inúmeras experiências na base da tentativa e erro, ou na pura cagada, mas enfim: a alegoria é válida.

Dentro deste contexto, fico imaginando quem teria sido o inventor da desculpa.

Viver em sociedade foi um dos grandes pulos do gato para a evolução e sobrevivência humana. Mesmo assim, acredito que nos tempos antigos não havia muita fineza entre os indivíduos. Deveria existir uma divisão de tarefas, baseada na força, e só. Na minha concepção de antiguidade, ninguém saía dando bom dia ou dizendo "que bonito seu corte novo de cabelo" assim, à toa.

Então, o primeiro sujeito que cometeu um erro na história da humanidade deve ter penado para reconhecer seu erro e, ao mesmo tempo, clamar pela absolvição de seus pares (para mim, essa é a definição perfeita de desculpa - adiante retomaremos). Ou seja, o cara tava lá caçando, jogou uma pedra no faisão pré-histórico mas acabou acertando o companheiro bem no meio da testa: cagada.

Pode ser que a avaliação primitiva de nosso ancestral fosse "ah, tô tentando garantir um almoço, errei o alvo, acontece, foda-se esse mané", mas no íntimo ele certamente sabia que tinha feito uma besteira. E deve ter sido julgado por isso. O neaderthal ferido ficou puto, foi falar com ele; os amigos dele também; as crianças passaram a correr dele. E aí não teve jeito: DESCULPA, GALERA, FOI MAL AÍ!

Mas já era tarde, ninguém engoliu e nosso homem das cavernas foi morto. Com uma pedrada no meio da testa.

Estava feita a merda. A obrigação de se desculpar PORQUE OS OUTROS QUEREM,  e NÃO PORQUE VOCÊ ACHA QUE DEVE, começou a se fixar em nosso DNA.

O resultado disso é que hoje ninguém realmente dá muita bola para os pedidos de desculpa. Pedir desculpa é sempre muito pouco. O prejudicado quer sempre mais. Quer sangue. Não é culpa dele, está em sua memória genética - a religião tem uma boa parcela de culpa nessa história também, mas essa discussão fica pra depois.

Pedir desculpa, como disse acima, é reconhecer seu erro perante o outro, e ao mesmo tempo pedir com que a pessoa ofendida se satisfaça com isso como "moeda" para reparar a falha. Por isso que não vale aquele típico pedido de desculpa do tipo "putz, não sei porque você ficou desse jeito, mas tudo bem, desculpa." Se você não sabe qual foi seu erro, não se retrate por ele. Isso só contribui ainda mais para a banalização do perdão.

Antes, eu via o ato de não se desculpar como atitude de orgulho. Hoje sei que essa minha visão é mero fruto da sociedade onde os pedidos de desculpa se tornaram habituais. Como eu fazia, sei que muita gente por aí acha que é preciso pedir desculpa por qualquer coisa. Por outro lado, também entendo o pessoal que acha que pedir desculpa é humilhar-se e, por isso, jamais se desculpa. Esses associam o ato de pedir perdão com fraqueza, quando na verdade, ele denota força.

A avaliação do pedido de desculpa é totalmente subjetiva. Para quem dá e recebe. Portanto, deve haver responsabilidade em todo o processo. É minha opinião. E, dessa vez, não vou me desculpar por ela.