Sentado na mesa, tentando cortar aquele pedaço de carneiro assado sob olhares questionadores, preferi não pensar no que exatamente estava fazendo ali - e principalmente PORQUE estava ali. Meu ano novo estava mesmo fadado ao fracasso. Já nasceu errado, o coitado.
Estava tudo planejado: ia ficar em casa, beber uma cidra sozinho e ver filmes na TV, mas não. Eu insisti em deixar de ser eu mesmo, quis ir até onde eu nunca tinha ido. De última hora, arrumei um esquema para passar o réveillon em um badalado baile de um clube da cidade, com uma (agora) grande amiga como acompanhante. Deu tudo errado: nos barraram no baile, não literalmente, mas veladamente, e tivemos que nos virar com outras opções.
Eu nem sabia que haviam outra opção, mas havia. Fomos parar na casa de um casal de amigos dessa minha amiga, que mora com sua humilde família em um belo apartamento em algum lugar que eu não sei mais onde é. Lá estavam o casal (que acabou de ter um filho), os pais e a vó do rapaz. Ah, e sua cachorra, Nina.
Aí chegamos no carneiro. Se pensasse realmente no sentido daquilo, ganharia uma depressão eterna. Fui para a sacada, vi a queima de fogos e aí sim aquela nostalgia, aquele sentimento estranho que sempre vem nos anos novos, chegou. Pensei na minha mãe, no meu pai e nas minhas irmãs. E que estava ali, na verdade, porque tinha medo de ficar sozinho (logo eu) nesta data lazarenta.
Quando me virei para o interior do apartamento novamente, fui cumprimentado pela avó da família, dona Ercília. Deve ter uns 85 anos. Eu disse a ela: "obrigado pela recepção, foi um prazer conhecer a senhora." Ela sorriu, virou a cabeça para trás - num daqueles gestos que parecia dizer exatamente o que ela de fato disse: "imagine, filho". Tocou sua mão sobre meu braço direito, que a terminava de abraçar.
Assim eu queria que fosse meu primeiro texto do ano: tão terno, sentimental, e ao mesmo tempo indiferente, quanto aquele toque.
PS: Obrigado, Fernando Sabino.
1 de janeiro de 2007
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