21 de agosto de 2010

A página de mundo

Um belo dia, no meu trabalho, me vi responsável pela página de mundo. Demorou um pouquinho, mas depois eu descobri que gosto disso. É legal ser o cara que, teoricamente, "resume o mundo" em uma página (a despeito de qualquer presunção, por favor - este é o meu trabalho, então melhor vê-lo dessa forma que reduzi-lo a nada).

Mas - e não sei bem o porquê - eu tenho a infeliz impressão de que ninguém lê aquele troço. Se for mesmo verdade, é uma pena, porque não é uma tarefa tão simples assim.

Primeira dificuldade: definir o abre. Tem tanta coisa acontecendo no mundo, como saber o que é o mais importante? Uma rápida olhada pelos principais portais da internet pode dar uma boa ideia da "agenda" do dia, mas o destaque dos sites pode ser ardiloso, e nem sempre o que é manchete às 15h será o assunto principal do dia seguinte.

A não ser quando você bate o olho na notícia e ela te diz: "pode parar de escolher, querido. Sou eu que você quer". Aí tudo fica mais fácil. Mas isso você só aprende a identificar com um certo tempo: se estiver na dúvida, um outro bom termômetro, até com certo apreço científico, é botar o tema no Google, buscar por "notícias" e ver quantas agências estão cobrindo o assunto. Mas isso não pode ser o modus operandi do fechamento, se não você fica preguiçoso e nunca vai aprender a hieararquizar notícia.

E, afinal, não se trata apenas de identificar qual é o tema mais comentado, mas sim qual seria o mais interessante para os leitores.

Definido o abre, tem que ver se tem foto na agência contratada pelo jornal. Não tem? Se o assunto merecer, usa arquivo. Se não for algo tão pulsante assim, é o caso de repensar e talvez buscar outra solução. Uma boa foto pode ser mais legal que o texto (a velha história da imagem valer por mil palavras), e muitas vezes o abre é o único lugar da página onde vai foto.

Se tiver bastante opção de imagem, toca pra escolher uma. Que seja boa, que caiba no corte, mas que não seja a melhor de todas (essa fica para o caso do chefe querer usar na capa). Na hora de editar o texto, começa a briga com o espaço e com os códigos às vezes indecifráveis das agências internacionais. É cada tijolo que vem que vocês não têm ideia. Coisas como: "O presidente dos EUA, Barack Obama, decidiu que vai manter o plano de retirada das tropas do Iraque para 31 de agosto. 'Vou manter o plano de retirada das tropas para 31 de agosto', disse Obama". Haja saco.

Cortado o texto, hora de fazer o título. Espaço pequeno, quase impossível manter a velha fórmula "alguém-faz-alguma-coisa". Bora tentar um trocadilho, uma ironia (se não for tragédia ou algo envolvendo gente morta, pode). Opa, deu. Mas esse o chefe não vai gostar... Algo mais simples. Agora sim. Mas e se o leitor não entender? Ler o título e passar reto pela página? Ah, a foto é boa, então o título não precisa ser tão atrativo. Ih, a foto é só um boneco? Melhor caprichar mais. Bota a cabeça pra funcionar, é pra isso que você é pago.

Abre fechado, hora de fazer as outras seis notas (sendo duas com foto, isso no modelo-padrão mais usado pelo jornal). São notas pequenas, mas não importa: são seis assuntos diferentes, e o tamanho só torna o trabalho de edição mais complicado. É triste resumir, por exemplo, uma revolta popular provocada por anos de ditadura em um país africano, toda a história de um povo, em 15 linhas.

Hora de distribuir o mundo na página. O abre é o quê? Oriente médio? Então já tá bom pra eles. Talvez mais uma nota se tiver alguma coisa muito boa (SEMPRE vai ter notícia de Israel, Iraque e Irã). Merece mais que isso, mas são só seis assuntos, e ainda tem um mundo inteiro para mostrar. Tem algo sobre alguma das guerras dos EUA? É bom ter. Mas não vale placar de cadáveres no Iraque ou no Afeganistão. Tem Europa? Ásia (Coreias ou China)?

América do Sul. Essa sempre tem que ter. São nossos vizinhos. Mas aí tem um problema: meu horário de fechamento é muito cedo, e as notícias de Venezuela, Colômbia e afins só pipocam no fim da tarde. Quase nunca entra nada quente. Só "recupera" do dia anterior. Paciência.

Brasileiro fez cagada no estrangeiro? Lula discursou na ONU, apertou as mãos de alguém lá fora ou meteu o bedelho onde não foi chamado? Brasil foi destaque (positivo ou negativo) em algum megalevantamento de alguma megaorganização internacional? Obrigação noticiar.

Droga, e as notas com foto? Quais são as tragédias da vez? Incêndios na Rússia, deslizamentos de terra na China, enchentes no Paquistão. Fotos espetaculares ao monte. Mas precisa ver qual é a notícia; como as fotos são inferiores ao abre já não vale a regra de dar só pela imagem. Alguma tragédia pontual? Algum avião caiu? Algum touro invadiu a arquibancada de um festival qualquer na Espanha? Um atirador maluco matou os amigos da escola e se matou?

Se sim, está feito. Se não, fodeu: vai ter que cagar sangue para escolher um assunto "fotável", ou então usar um tema bom e pegar foto de arquivo. Ou, ainda, usar a velha fórmula "autoridade-diz-que...". Sempre tem foto de alguém falando alguma coisa ao redor do planeta. Escolhe a foto, joga lá. Qual o crédito? Eita nome complicado de fotógrafo, melhor copiar e colar para não errar.

Editadas as notas, feitos os títulos, jogadas as fotos, hora de dar uma "panorâmica" pela página. É sempre bom que os títulos não repitam palavras (com exceção de artigos e pronomes); que as fotos não "olhem" para o lado de fora de página; que a "composição estética", de forma geral, esteja bacana. Mas como eu vejo isso? Se vira, cara! Não sabe diferenciar o feio do bonito?

Tudo equilibrado? Abre para o oriente médio; notas sobre guerra no topo, do lado direito; tragédia social em uma foto debaixo; eleições na Austrália na outra; Chávez e Colômbia no meio da página; Fidel também; Coreia no pé, do lado do calor infernal na Europa.

Nada para refazer. Uma página já foi. Faltam 23.

Um comentário:

Fabi M. disse...

Esse post foi tipo uma aula? Haha. Gostei. Se um dia eu for responsável pelo Mundo em algum lugar venho aqui pra me orientar, rs