16 de julho de 2011

Odeio rodeio

Você já sentiu medo?

Eu já.

O ano era 2006.

Eu trabalhava no jornal Bom Dia, em São José do Rio Preto. Era repórter.

O periódico tinha uma sessão fixa, aos domingos, chamada "Sentindo na Pele", cujo nome, acredito eu, é autoexplicativo. Era o seguinte: o repórter ia lá e passava por alguma situação inusitada, distante do seu cotidiano, para relatar, de um ponto de vista distante, como é aquilo.

Era mais ou menos o que já fizeram Gugu e vários outros, e o que fazem hoje "A Liga" e também alguns outros. Para um jornal impresso, ma minha opinião, não compensa. Mas, às vezes, admito que era divertido.

Do que eu consigo me lembrar, fui vendedor de balas em semáforo, juiz de futebol, maquiador (?), artista de praça (isso mesmo: fiquei tocando violão no calçadão de Rio Preto durante uma manhã) e, pasmem, garoto de programa (fiquei algumas horas da madrugada com um colega, também repórter, em uma esquina, mas não aconteceu ABSOLUTAMENTE nada digno de relato - graças a Deus).


Mas nenhum desses chegou perto, em relação ao temor pela minha própria vida, de quando fui palhaço de rodeio.

Começou assim: um belo dia, precisávamos de mais uma pauta para a malfadada seção. A chefe de reportagem lembrou que naquela semana ocorreria um rodeio na cidade de Palestina, e não hesitou: "O Luís vai ser peão de rodeio!" (Ela era meio louca mesmo). É claro que relutei, assim como toda a redação; para ser peão é preciso preparo, treino, etc. Eu certamente morreria.

Sugeri algumas atividades mais simplórias que poderiam usar o próprio rodeio como cenário: escovador de cavalo, limpador de estábulo, carregador de bota, sei lá. Mas a chefe de reportagem queria sangue. E falou em palhaço de rodeio. Continuei achando deveras perigoso, mas confesso que, na ocasião, conseguia me enxergar no ofício. "Eles só ficam fazendo macaquices, não preciso ser do tipo que entra na frente dos bichos", pensei.

Liguei para o organizador do rodeio explicando a coisa toda, ele me perguntou se eu tinha seguro de vida. Respondi com uma risada, pensando que era piada. Do outro lado da linha, ele ficou mudo. Não era.

No dia combinado, cheguei no lugar, encontrei com o cara e ele: "Hum, você veio mesmo." E me levou até Toba Duro (também autoexplicativo), o cara que coordenava a atividade dos palhaços na ocasião.

Acontece que Toba Duro era uma pessoa que levava seu trabalho realmente a sério, e como ele tinha recebido a ordem de me transformar em um verdadeiro palhaço de rodeio, não hesitou em cumprir todo o script. Primeiro me fantasiou, pintou minha cara e foi me passando instruções.

Foi só ali que descobri que a atividade não tem nada de palhaçada: o palhaço é, na verdade, um guarda-costas do peão. "Como você é novato pode ficar mais afastado. Mas pra parar um boi tem que entrar na frente dele, abrir os braços para parecer maior do que você é e ir cercando."

"Beleza", respondi. "Vai ser fácil", pensei. Ainda não tinha a exata noção do que me esperava. No caminho para a arena (eu participei de toda a cerimônia de abertura, com oração a Nossa Senhora e tudo o mais), vi os boizinhos na área reservada para eles, e que eu não sei o nome (brete?). Os bichos eram muito grandes. "Mas são bois", pensei, tentando provar a mim mesmo que eles respeitariam a hierarquia biológica da cadeia alimentar dali a pouco.

Começou. Arquibancada lotada, o locutor berrando no microfone. Abriu a tal da porteira. E tudo o que eu consigo me lembrar é de um bólido saltitante feito de carne, osso e chifres pesando toneladas que saiu loucamente pela arena. Uma terrível sensação de terror em seu estado puro percorreu meus ossos. Sério, eu nunca tinha sentido e nunca mais senti um troço parecido com aquilo.

Quando vi, já estava pendurado na cerca de proteção, com o boi a bons metros de mim, já controlado. Toba Duro me olhou torto. Continuei ali no canto, controlando meu medo recentemente adquirido. Até que Toba Duro me chamou de canto e disse: "Olha, a plateia não sabe que você está aqui de brincadeira. Se continuar fugindo, fica feio pra gente." Glup.

Nisso, o fotógrafo se mijava de rir, em uma área de segurança. Também me chamou e disse: "Luís, não consegui pegar nenhuma foto que tenha você e o boi no mesmo plano." Tentei me aproximar, mas o máximo que consegui é o que está na foto abaixo.

Esse aí de costas no primeiro plano sou eu

Toba Duro não gostou, me chamou a atenção de novo, como se fosse meu patrão de fato e falou: "Então tudo bem, você vai para o tambor." E me colocou dentro de um barril de aço no meio da arena. Logo entendi que o objetivo era que o artefato, comigo dentro, chamasse a atenção do boi. Sério, se tivessem usado isso como método de tortura na ditadura, os anos de chumbo não teriam durado mais que cinco anos. Não aguentei muito e logo saí. O Toba Duro que se fodesse.

Fiquei ali na arena mais uns bons 20 minutos, fugindo de touros e cavalos alucinados, até o primeiro intervalo da bagaça, quando decidi que já era demais e estava na hora de encerrar a brincadeira. Na saída, duas enfermeiras e um médico que ficavam a postos para atender os peões me abordaram: "você está meio pálido". Expliquei a situação, disse que era jornalista e os três me lançaram um olhar de perplexidade pura.

Que corajoso, hein, Luís? Você deve estar orgulhoso!

NOT!

PS: As fotos me foram gentilmente cedidas pelo Sidnei Costa, grande parceiro dos tempos de Bom Dia. A imagem do juiz de futebol é dele mesmo, a do rodeio é do José Carlos Moreira, um dos caras mais engraçados com quem já trabalhei, e que fez a melhor piada que já ouvi. Mas essa é outra história.

2 comentários:

Anônimo disse...

Você é maluco de aceitar um negócio desse. Isso aí passou do limite.

Fernanda disse...

Primeiro achei bobo. Depois me ajeitei na cadeira e comecei a ler de novo. Não era pra ser engraçado, mas eu ri alto, muito alto.
Segura, peã, ops, palhaço!