Não cheguei nem na metade e já é possível fechar o caixão (ops!) em relação a uma percepção que já tenho há tempos: para algumas pessoas, a morte é a melhor coisa que pode acontecer.
Não estou dizendo que o Kurt Cobain deveria mesmo morrer para "se salvar". Ou muito menos que a morte seria o mais justo para ele, sujeito que não demonstrava muito apreço pela vida - discurso bem babaca esse, aliás.
O que constato é meio óbvio, mas não deixa de ser um tema delicado pela forma mítica como as pessoas lidam com a perda de outro ser humano: a morte é o caminho mais fácil para se tornar um herói. O que, claro, também é um grande paradoxo - afinal, não há meios de desfrutar das benesses do heroísmo estando morto.
Proponho um exercício mental de vidência.
O que Kurt Cobain estaria fazendo hoje se não tivesse estourado seus miolos em 1994? É bem difícil imaginar, mas uma coisa é certa: ele não seria o mito que é hoje. Dificilmente teria mantido a verve que o moveu nos tempos de Nirvana; talvez não soubesse lidar com a "morte" do grunge; quem sabe não estivesse por aí tentando sobreviver de migalhas do seu passado de sucesso. Pode ser também que ele se tornasse um velho rabugento e decadente, porém digno, mas... vai saber.
Da mesma forma, imaginemos outros ícones eternos que já se foram: Jim Morrison (já imaginou o rei lagarto fazendo show em... Ribeirão Preto?), Janis Joplin, Jimi Hendrix, John Lennon... Sabe lá o que viria desses aí. Mas como já se foram, hoje são todos idolatrados, adorados, exaltados. Em alguns casos de forma exagerada, até.
Agora, vamos pegar o caminho inverso. E os grandes gênios ainda vivos?
Paul McCartney está em plena forma, segue fazendo grandes turnês e é respeitadíssimo por conseguir manter sua coerência artística durante tanto tempo (sendo um ex-beatle até eu, mas essa é outra história). Madonna é outro caso. Está aí firme e forte, com seu público sempre fiel. Mas... ambos vivem às voltas com escândalos, têm suas vidas brutalmente expostas de forma incansável. Tem outros nessa lista aí: Iggy Pop, Stones, U2...
O passar do tempo torna qualquer herói terrivelmente humano. Com a exposição massiva na mídia, então...
O que, é claro, não acontece com os mortos. Quando algum biógrafo ou documentário explosivo escarafuncha a vida de alguma personalidade morta, o efeito é sempre positivo para a pessoa em questão. Se tal persona fez alguma cagada em vida que é finalmente revelada, o erro acaba sempre justificando as atitudes do ídolo, ou, na pior das hipóteses, se tornam base para um lamento tardio: "ah, ele se entupia de drogas e batia na mulher, mas já morreu, tadinho..."
Os exemplos são infinitos.
Pelé: o maior gênio do futebol mundial hoje é conhecido pela alta capacidade de falar merda. Juro que é com certa dose de vergonha alheia que vejo especialistas renomados se referirem a ele como o maior jogador de todos os tempos. Já pensou se ele morresse logo depois da conquista do tri, em 1970? Ou depois de fazer o gol 1000? Minha nossa senhora.
Ayrton Senna? Ícone eterno do esporte brasileiro, mesmo sendo piloto de F-1, que, como todos sabemos, é mesmo modalidade esportiva (esporte?) das mais populares no país, com milhares de praticantes. E se estivesse vivo? Os reflexos de seu gosto indiscriminado por loiras talvez tivesse superado as façanhas na pista...
Sem falar na genialidade do Tim Maia e no senso de inovação e alegria constante dos meninos do Mamonas Assassinas...
A coisa se estende também aos não famosos. Quantos anônimos não emprestam suas mortes para que se tornem exemplos e lições de vida? Menina Isabella, menino João Hélio, menina Eloá...
Nelson Rodrigues certa vez deu um conselho aos jovens: "envelheçam!" Pois eu digo: morram. Às vezes, pode ser uma boa.
Entende?
Entendo.
3 comentários:
Muito bom o texto, chefe! Como fã de boa música também, devo admitir que serviu como reflexão. Coeso, sensato e atual; chegando a ser uma crônica, talvez.
Bem legal, Luís! Apesar de discordar de algumas coisas, definitivamente valeu a reflexão. Abração!
Makes sense! Adorei.
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