Dia desses aí pra trás, eu fui fazer uma matéria sobre o lançamento de um carro. Nunca tinha feito esse tipo de cobertura antes, mas sabia que esses eventos eram cheios de pompa e circunstância. De vários colegas com quem já trabalhei, cansei de ouvir histórias sobre viagens até para cidades da Europa (teve um que bateu um carrão num test drive em Barcelona). Enfim.
Fui escalado, aceitei o convite e fui, todo serelepe.
O evento foi em Foz do Iguaçu. Saí de Ribeirão Preto em uma segunda-feira à noite, fui de avião até São Paulo. Me hospedaram em um hotel onde a diária custa R$ 315. Ao chegar lá, fui recebido por dois funcionários da montadora que estava lançando o carro. Me ajudaram com o check-in e disseram para eu ficar à vontade para descer e jantar. Assim o fiz. Era um buffet: comi uma saladinha, um macarrãozinho e um peixinho esperto. Tomei uma água. Como já passava das 22h, me controlei para evitar a pedreiragem.
Depois que comi, um funcionário do hotel me pediu para assinar a nota, "só para controle": o jantar havia custado R$ 65. No dia seguinte, de manhãzinha, toca para Foz (a viagem Ribeirão-Foz, com conexão em Guarulhos, sai por R$ 630). Antes, o check-out: como havia consumido uma água no frigobar, mais R$ 4,50 na conta da montadora.
Chegando em Foz, um belo café da manhã nos esperava no aeroporto. Todos os jornalistas (exatamente 27, de todo o País) chegaram mais ou menos no mesmo horário. Uma sala foi reservada para um breve briefing a fim de explicar o que seria todo o evento e, principalmente, o test-drive do carro, que seria dali a pouco.
Saímos do aeroporto e pegamos o carro, em duplas. Tínhamos que chegar ao restaurante em Puerto Iguazu, cidade argentina que faz fronteira com Foz. No meio do caminho, uma parada para a troca de motoristas. Neste ponto, mais comida: empanadas argentinas, medialunas (croissants), bolos, refrigerante, café... Não eram nem 12h e eu já tinha feito quatro refeições: café no hotel em São Paulo, café no avião, café no aeroporto em Foz e "lanche da manhã" em um lugar perdido de uma estrada na Argentina. Que beleza.
Lá pelas 13h30, chegamos no tal restaurante. Tínhamos duas opções de prato principal, carne ou peixe. Escolhi (eu e toda a mesa onde estava sentado) a carne. Um bife de chorizo que devia ter, sei lá, uns 400g. Sendo uns 30% de sangue. Para a sobremesa também eram duas opções: umas tais "frutas selvagens" (nada mais que frutas da mata local, que encontramos em qualquer feira aqui no Brasil) ou o "duo de chocolate" (mousse de chocolate com sorvete de chocolate branco). Adivinhem só qual foi a mais popular.
Não perguntei os preços dos pratos, mas uma consulta rápida em guias da internet me mostrou que um prato lá custa, em média, R$ 30. Mais a entrada, sobremesa e bebidas... Bota aí uns R$ 70 por cabeça.
Aí fomos ao hotel em Puerto Iguazu onde seria a coletiva de imprensa, o jantar e onde dormiríamos naquela noite. A diária? Acho que R$ 390, pesquisando no site não tenho certeza de qual foi o tipo de quarto em que eles me puseram. Mas é no mínimo isso. O hotel é cinco estrelas e fica no meio do mato, a 15 minutos das cataratas. No Brasil, acho que a construção dele teria violado umas 585 leis ambientais.
Na cama, tinha uma camiseta com o logo da montadora e do carro e uma cartinha: "Sua presença é muito importante, blá blá blá, fique à vontade para usar essa camiseta na coletiva e no jantar". Na hora, pensei: "Que ridículo, quem vai usar isso?"
Alguns minutos depois, na coletiva, do grupo de 27 jornalistas, pelo menos metade usava. Sei lá, mas eu achei muito constrangedor. Tudo bem que os caras pagaram tudo pra você estar ali, mas acho que não precisa, literalmente, VESTIR A CAMISA. Né? Sobre isso, falamos mais abaixo.
Na coletiva, cada um ganhou seu bloquinho, sua caneta e um pen-drive (4gb de capacidade total; 300mb utilizados - VOCÊS OUVIRAM ISSO?) com fotos e textos sobre o carro. É o kit "agrada jornalista". Você pode pagar jantar, passagem de avião e hotel cinco estrelas, mas se não tiver bloquinho e caneta...
Bom, aí fomos ao jantar. Tudo muito chique - com exceção, é claro, das camisetas que uniformizavam o salão. Coquetel, entrada, e vinho. Muito vinho. Eu, muito burro, não gravei o rótulo. E, depois de umas três taças, isso não seria possível nem mesmo se eu quisesse.
A entrada era... juro que não lembro. Imperdoável. O prato principal podíamos escolher entre duas opções: lombo ao molho de cerveja preta e purê ou ave enrolada na panceta (não se engane: é o popular medalhão de frango com bacon, só que mais chique) com risoto de amêndoas. Pensando agora eu não sei porquê, mas fui na segunda opção. Estava bom, de qualquer forma. De sobremesa, panqueca de doce de leite ou frutas com sorvete de coco. Fui nas frutas - o sorvete estava espetacular, aliás.
Infelizmente, não faço ideia do quanto custaria individualmente esse jantar. No dia seguinte, depois do café da manhã, estava programado um passeio por um tal de Duty Free Shop - é como um free shop de aeroporto, só que não fica no aeroporto. É bem pequeno, e as coisas não eram muito baratas. Preferia ter ido ver as cataratas. No ônibus que nos levou até lá, tinha uma mochila em cada banco - mais um presente da montadora. O indefectível logo cravado e mais uma cartinha de agradecimento.
Aeroporto de Foz, Guarulhos, Ribeirão. Ufa.
Algumas considerações.
Só comigo, pelo que consegui mais ou menos mensurar, gastaram R$ 2,1 mil). Isso exclui os gastos com o jantar; brindes (bloquinho, camiseta, mochila etc.); transporte de ônibus até o free shop; seguro do carro; gasto com pessoal de apoio (era muita gente) etc.
Junto comigo, foram mais 26 jornalistas. O lançamento foi dividido em três dias; cada um deles com 30 jornalistas, em média. Galera de todo o Brasil, é bom que se diga. Vamos supor que fossem todos de Ribeirão Preto: a montadora teria gasto, no mínimo, R$ 189 mil.
É um cálculo bem inocente, claro. Foi muito mais do que isso, e eu nem consigo imaginar quanto (enquanto estava bêbado, perguntei para a assessora de imprensa quanto tudo havia custado; ela riu e disse: "ih, isso tem que perguntar pro meu chefe". Sei...)
Aí vamos a outra questão: o carro custa cerca de R$ 80 mil. Então, basta vender três unidades que tá mais do que pago. Compensa? Claro que compensa!
Simplesmente porque nenhuma forma de publicidade é mais eficiente do que o jornalismo. Ou alguém acha que tinha alguém lá pra fazer jornalismo? É um acordo tácito, e ninguém fala sobre isso, mas todo mundo sabe: a empresa gasta mundos e fundos para agradar os coleguinhas, que em troca vão falar de seu produto. E não precisa nem falar bem, basta apenas FALAR.
De uma forma ou de outra, o produto estará na mídia, sendo visto, e a não ser que ele tenha uma peça autoexplosiva ou explore o trabalho de crianças cegas e amputadas em sua fabricação, a exposição será sempre positiva.
É muito mais eficiente, por exemplo, que a publicidade "direta" - as propagandas em TV, jornais, revistas e grandes portais. Porque dessa forma a empresa acaba gastando bem mais sem a certeza de que vai atingir e seduzir o público.
Os caras do marketing da montadora sabem disso, o presidente da empresa sabe disso, a assessora de imprensa com sorriso maroto sabe disso. Os leitores, consumidores de notícias, é que não sabem, coitados. E acabam comprando como "jornalismo" o que na verdade é a reprodução amplificada, pelos veículos de comunicação, de peças de divulgação criadas pelas empresas. Cada um à sua maneira, com um filtro aqui e outro ali, mas ainda assim, a mensagem inicial da montadora vai estar ali. Bastante eficiente, e porque não dizer, perspicaz.
Os jornalistas são só marionetes no processo. Alguns sabem dessa condição, e simplesmente topam participar do teatro. OK, dá para respeitar. Mas alguns não fazem ideia do que se passa. E aí eu ouço coisas como "ah, vou falar na minha matéria que o carro já foi lançado na Europa faz dois anos, isso eles não colocam no release!" É isso aí, campeão! Bote a boca no trombone! Mude o mundo! E, de quebra, tente aliviar sua culpa por ter comido, bebido e curtido uma jacuzzi de graça.
Mas não esqueça de tirar a camiseta, por favor. É que de vez em quando suja, e precisa lavar.
30 de novembro de 2010
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3 comentários:
Você ainda foi legal porque só tomou uma água do frigobar. Tem jornalista que pergunta se está incluído e faz questão de beber tudo, absolutamente tu-do, que está lá dentro.
Você leu! Obrigado!
Eu tbm!
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