Eu queria uma profissão "de verdade". E aí caí no jornalismo, o limbo daqueles que gostam de história, geografia e de ler. Hoje, estou aqui. Não posso dizer que me arrependo por completo, mas depois de descobrir que podia desenvolver carreira acadêmica, fazer pesquisas ou trabalhar em ONGs que cuidam de tartarugas marinhas, sempre bate uma ideia de "putz, e se eu tivesse feito biologia..."
Como todo frustrado, tento preencher o espaço aberto pelo sonho não realizado das mais diversas formas. Neste caso específico, a principal delas é assistindo documentários sobre a vida animal. Sério, eu sou alucinado por essas coisas. O ciclo reprodutivo do salmão, a batalha dos pinguins imperadores para criar seus filhotes e a emboscada dos crocodilos na caça aos gnus já se tornaram clichês para mim, mas mesmo assim eu nunca dispenso boas imagens do reino animal.
Dia desses, no Curupira, em Ribeirão Preto, notei um pássaro diferente. Sinceramente, não sei dizer se ele já estava lá antes. Faz bem mais de um ano que eu frequento assiduamente o lugar. Contei seis indivíduos da espécie (posteriormente, descobri que são sete - um é jovem, com a penugem diferente).
Já sabia que o Curupira tinha uma família de quero-queros (que, aliás, está prestes a aumentar) e uma garça branca, além de vários outros pássaros menores. Mas igual aquele eu nunca tinha visto. É cinza, tem os olhos vermelhos e um diferencial inconfundível: uma pena branca, alongada, na cabeça. Seu corpo é compacto, a penugem lisa, e não fosse pelas longas pernas e asas, passaria fácil fácil por um pinguim.
Não contente em atormentar minha curiosidade, um deles começou a me provocar. É aparentemente o maior deles, o macho alfa ou coisa do tipo. Passou a se exibir sobre uma pedra naquele lago maior da parte central do parque, e posso jurar que certa vez me encarou e soltou um grunhido, abafado pelas guitarras do Black Rebel Motorcycle Club no meu fone de ouvido.
Um belo dia, munido de minha imponente máquina fotográfica, resolvi registrar um pouco mais dos hábitos desta intrigante ave. Pela manhã, ela vai nos lagos do Curupira em busca de peixes. E haja paciência. Olha, entra na água, brinca de estátua, voa de uma margem para outra e demora pacas para pegar um singelo peixe. Seus ancestrais devem ser praticantes do zen-budismo. E adoram um sashimi.
Embora tenha uma vasta experiência com documentários, jamais vira aquela ave no Discovery, National Geographic ou Animal Planet. Recorri ao oráculo de nossos tempos: o Google. Digitei "pássaro cinza com pena branca alongada na cabeça", mas não obtive sucesso.
Conheci, no entanto, o site Wiki Aves - acredito que o nome seja autoexplicativo. Mas lá também era impossível encontrar o pássaro, diante de tantas opções e tão poucas informações que eu tinha a respeito de meu objeto de admiração. A solução foi enviar um e-mail para o administrador do site, Reinaldo Guedes. Anexei duas fotos e passei uma descrição básica do bicho.
Alguns dias se passaram, nada de resposta. Animado, cheguei a cogitar que tivesse descoberto, quem sabe?, uma nova espécie. Imaginei o chefe do Wiki Aves abrindo meu e-mail, exclamando um "oh, meu Deus!" e apertando o botão vermelho que aciona a mais alta cúpula zoológica brasileira para uma reunião de urgência. Visualizei a mim mesmo recebendo uma medalha ou coisa que o valha da Sociedade Nacional de Ornitologia.
Não foi o caso. Finalmente, o e-mail foi respondido.
Prezado Luis Fernando,
Trata-se de um savacu:
http://www.wikiaves.com.br/savacu
Atenciosamente,
Reinaldo Guedes
Devo confessar que o tom do e-mail não me agradou: mostra um certo desleixo, como alguém que diz "ora, meu filho, isso é só um savacu! não me encha o saco!" Mas não tive tempo para ficar com raiva. Estava muito feliz por finalmente poder dar um nome ao ponto de interrogação que sobrevoava minha cabeça há tanto tempo.
Eu juro que ali ele acabou de pegar um peixe!
Descobri que o savacu tem hábitos noturnos, também é conhecido por uma série de outros nomes (bem menos trocadilhescos, inclusive) e tem como principal "inimigo" os urubus.
Hoje vou mais tranquilo ao Curupira. Já não tenho aquela ansiedade de antes. Mas sempre que vejo as pessoas caminhando, imersas em seus pensamentos, preocupadas com a conta de luz e o IPVA, preciso me controlar para não cutucá-las e dizer: "ei, sabia que aquilo ali é um savacu?"
A ignorância é a felicidade. É o que dizem.
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Bônus: o Curupira é um lugar estranho. Em que outro ponto da face da terra uma árvore é capaz de atravessar um alambrado? Alguém explica?
8 comentários:
hahahaha! A mim você não precisará cutucar caso me encontre por lá. Minha curiosidade acabou de ser preenchida pelo seu post, mas o meu ponto de interrogação sobre este pássaro que também já tinha chamado a minha atenção em uma das minhas andanças, não chega nem aos pés do seu. Não fui capaz de mandar email para ninguém. Sinta-se um biólogo nato. E viva o suvacu!!!!
Dá uma olhada nessa notícia:
"Ave rara pode ser observada no Parque Luiz Roberto Jábali
Espécie em extinção, o Urutau pode ser visto pelos visitantes do parque junto ao filhote que nasceu há 2 meses no local"
http://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/ccs/snoticias/i33principal.php?id=16372
Putz, eu vi! Inclusive, estava lá o dia que o pessoal da prefeitura estava tirando foto. Depois que eles terminaram fui lá no lugar ver o que eles estavam fotografando e não achei nada! Ahahha! Mas esse urutau aí não é de nada. Legal mesmo é o savacu.
Thanks :)
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Puta merda, meu post sobre o savacu atraiu até os russos! Melhor avisar a CIA.
Hahaha, olha, fiquei com inveja do seu "hobby". Eu nunca soube muito o que fazer da vida, caí no jornalismo e ainda tô assim "meio perdida". Quisera eu amar documentários de animais e ficar louca pra saber o nome de um pássaro no Curupira. Qdo eu for lá com meu filho, já posso dizer: ei, aquilo ali é um savacu!
ontem a noite estava caminhando com minha noiva em um lago aqui em Santa Rita do Passa Quatro quando nos deparamos com esse pássaro e ficamos intrigados para saber que bendita ave era essa, que lembra um quero-quero, mas estava sozinho e fazia um barulho estranho. Joguei no google "pássaro cinza no lago" e achei o seu blog que nos salvou e agora podemos dizer "Aquele pássaro ali é um savaco"
Obrigado!
P.S. ele não gostou de nós :/
Bacana!! Vi essa lindeza no córrego da Francisco Junqueira, junto com uma arisca garça azul (creio que seja isso) e outras belas garças brancas.Fiquei encantada e com dó ao mesmo tempo da comida que elas encontrariam ali. Muito obrigada pelo post.
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