7 de outubro de 2010

Nick Drake e bolas de capotão

Nick Drake é esse cara aí embaixo.

Infelizmente, o século 21, sob o signo da banalização, criou uma tendência meio besta de definir tudo e qualquer coisa com o adjetivo "gênio".

Bom, esse cara aí é um. De verdade.

Para resumir, Nick Drake foi um puta de um músico fodido da Inglaterra que lançou três discos espetaculares que foram muito mal recebidos pela crítica e público de sua época. Não soube conviver com a frustração e, ainda não se sabe se intencionalmente ou não, morreu por overdose de antidepressivos aos 26 anos, em 1974.

Como naquela velha história de artistas que só são valorizados após sua morte, hoje o Nick Drake vem sendo cada vez mais lembrado e homenageado. Onze a cada dez artistas cool e indies do mundinho contemporâneo o citam como influência (ele deve se revirar no túmulo por isso).

Mas eu não vou me prolongar muito nisso porque o assunto do post é, na realidade, bolas de capotão.

É que ontem eu comprei uma réplica em tamanho reduzido (isso é redundância?) da Jabulani, a famosa bola da Copa. Tirei R$ 13 do bolso e comprei. Assim, pá-pum. E ganhei um bilhete grátis para uma sessão nostalgia.

Quando era criança, podem acreditar, minha brincadeira preferida era jogar bola. Videogame vinha em segundo lugar, e olhe lá. Eu vivia na rua. Até hoje não sei como minha mãe permitia uma barbaridade daquelas. Enfim.

Eu morava com minha família em um bairro meio classe-média baixa na periferia de Presidente Prudente, megalópole no Oeste Paulista, e de fato acho que éramos, digamos assim, um dos mais "ricos" ali da vizinhança. O que quero dizer é que eu meu pai, quando eu precisava, sempre me dava uma bola de futebol - eu tenho quase certeza que, feitas as devidas correções monetárias, elas eram bem mais baratas que a réplica da Jabulani.

As melhores eram as compradas no Bazar Aquariu's, de couro, onde meus olhos brilhavam ao ler termos como "costuradas à mão", "Fifa approved", "9.5 lbs" ou "official size and weight" (vai entender porque alguns termos eram em português e outros em inglês).

Eram as chamadas "bolas de capotão" - uma espécie intermediária entre a Dente de Leite (de borracha, muito leve, que com pouco tempo de uso ficava oval) e as profissionais (extremamente caras, muito duras e pesadas - uma vez ganhei uma da Topper, usada no Brasileirão de 1990, de Natal!).

Quando novas, assim como um sapato, uma calça jeans ou uma namorada, as bolas são bem desconfortáveis. Até você se acostumar, ela faz o pé arder (como o sapato), não se encaixa (como a calça) e é difícil de controlar (como a namorada). Mas quando você menos espera, lá está ela, macia, na textura ideal, pronta para viajar em chutes inacreditáveis, ser milagrosamente defendida por goleiros usando havaianas como luvas e explodir em traves imaginárias em muros de cimento chapiscado.

Com sorte, o relacionamento com uma bola de capotão pode durar bons meses. A "morte natural" de uma bola acontece depois dela perder os gomos de couro (fica só com a parte do tecido exposta), até que a costura abre e expõe a câmara de ar (fenômeno que eu e meus primos carinhosamente chamávamos de "câncer").

Aí, não tem jeito. Ou você encosta a bola e corre pro Bazar Aquariu's ou simplesmente espera a borracha da câmara de ar, pressionada pela costura, encontrar uma pedra ou espinho qualquer que alivie seu sofrimento.

Tragédias também podem acontecer: eu já perdi bolas atropeladas por caminhões (umas três que eu me lembre, pelo menos); furadas na ponta das lanças do portão da minha casa (era uma ótima bola, em processo de amaciamento ainda, até hoje não me perdoo); na torneira do hidrômetro ou para sempre soterradas nos meandros dos esgotos prudentinos (sério mesmo - se bem que eu acho que o cara que disse que era impossível entrar no bueiro entrou lá quando eu já tinha ido embora e ficou com a bola). Teve uma que um moleque roubou no campinho perto da Igreja. Meu pai conhecia o pai dele e o cara foi devolver, cheio de vergonha.




"Life is but a memory
Happened long ago
Theater full of sadness
For a long forgotten show
Seems so easy
Just to let it go on by
'Til you stop and wonder
Why you never wondered why?"

E isso é tudo o que eu tenho a dizer sobre isso.
(A frase é de Forrest Gump, um cara que conheceu muita gente e participou de muitos eventos históricos importantes. No entanto, não consta que ele tenha tido contato com Nick Drake ou jogado uma pelada com bola de capotão)
 

2 comentários:

Anônimo disse...

Grande crônica. Abraço.

Nick Drake Brasil disse...

Dez esse texto@

Muito legal msm!

Luis,

Criei o Nick Drake Brasil

Depois dá uma passada lá.

Abs
Nick Drake Brasil
nickdrakebr.blogspot.com